Já estava para escrever este texto há algum tempo,mas hoje surgiu a inspiração após me ver cercada por elas e tendo que responder diversas perguntas.
O assunto “mulheres indianas” é sempre algo que desperta muito interesse do público no Ocidente. São oprimidas? São dóceis? São submissas? São simpáticas? São felizes? – Estas são apenas algumas das questões que recebo de leitores nossos.
Bem, longe de mim querer definir a mulher indiana através deste artigo! Elas são tão diversas, cada uma com sua cultura e suas tradições, que não tem como generalizar. Portanto, meu artigo irá apenas comparar as duas Índias que coexistem. A Índia urbana e a rural. E suas incríveis mulheres. E como eu, uma brasileira, convivo com estas duas facetas da Índia.
Mumbai. Oberoi Mall
Sexta à noite. O shopping ferve. Jovens de classe média alta exibem suas roupas da última moda e, algumas,pasmem, usam shortinhos. A cena seria comum em um shopping do Rio de Janeiro, mas estamos falando da Índia. Sim, é verdade que Mumbai é moderninha demais para os padrões indianos e que aqui, pode-se experimentar uma liberdade maior em relação às roupas e ao comportamento. Ainda no shopping, em um café da moda, um grupo de mulheres indianas na casa dos 50, degustam um bom frappucino e jogam conversa fora com as amigas. Na livraria, várias mulheres procuram seus temas prediletos e disputam as prateleiras dos livros. Não podemos deixar de citar que praticamente todas estas mulheres possuem pelo menos um empregada doméstica e um motorista. Sim…Yeh Mumbai hai (Esta é Mumbai).
Uttar Pradesh – interior
A cena muda drasticamente. Estamos na região rural da Índia. O estado mais populoso, porém, também, o mais poderoso (politicamente falando) e fértil. O número de mulheres nas ruas diminui também drasticamente. Vemos muitas estudantes durante o dia. Muitas colegiais vão de bicicleta para a escola. As mulheres são vistas sim, durante o dia, mas geralmente, no mercado ou acompanhando seus filhotes até a escola.
Todos os papéis parecem muito bem determinados e não há muita diversidade.Em casa, a realidade também não é diferente. Mulheres e homens têm papéis distintos. Homens saem às ruas para ganhar o sustento da família. Mulheres ficam em casa, cuidando da administração do lar, das crianças (sim, sempre no plural) e esperando os homens da casa chegar, para assim, poderem servi-los.
O choque cultural
É praticamente impossível transitar por estes dois mundos e seguir imune a eles. Não que a dita “modernidade” de Mumbai me agrade por completo. Por algumas vezes, os jovens me parecem forçar e forjar uma falsa liberdade que não é comum na Índia. Mas, é comum a eles, já que eles podem “comprar” tal liberdade. Seus pais têm dinheiro e eles vivem aqui como se estivessem em um mundo paralelo. Porém, não posso negar o fato de que viver em Mumbai, para quem não foi criado no interior e em uma cultura machista, é quase que um alívio.
Porém, todas as vezes que tenho que voltar ao interior de Uttar Pradesh, o choque cultural é inevitável. Principalmente em relação às mulheres e suas conversas. Meus valores e filosofias são frequentemente desafiados através das cenas que presencio e das quais, inevitavelmente, participo. Me considero um alma velha. Sou muito tradicional e conservadora em relação a muitas coisas. No Brasil, meus valores conservadores sempre eram criticados. Porém, quando me deparo com o peso da verdadeira tradição indiana, vejo o quanto sou moderna. Ou, se não moderna, vejo o quanto sou diferente delas.
Como é a rotina delas?
A rotina é bem definida e não sai muito disso. Após se casarem, o maior feito na vida de uma mulher aqui na Índia, elas vão morar na casa dos pais do noivo. E, vão servi-los. Vão servir a família toda. Logo depois do casamento, espera-se que elas tenham filhos. Sim, um só não basta. Tem que ter muitos. Não é à toa que estamos no mais populoso estado da Índia! No dia-a-dia, elas só limpam a casa, cozinham e cuidam dos filhos. Algumas têm empregadas, o que as deixam ociosas e com mais tempo para infernizar a vida da nora ou dos vizinhos. Entre um intervalo e outro das tarefas domésticas, elas ligam a TV e assistem uma ou outra novela. Agora entendi porque há tantas novelas nos canais indianos. É impressionante como elas se divertem e ficam atentas a cada diálogo da novela.
O dia custa a passar. Na hora do lanche, o chai é sempre servido. Após o chai, elas já começam a preparar a janta. À noite, mais novela, se der tempo, mas no interior, a maioria dorme bem cedo, lá pelas 20:00.
Mas…elas não saem nunca? Sim, saem. Geralmente, para ir ao mercado ou médico. Algumas, para levar os filhos ate a escola. E, geralmente, saem acompanhadas da sogra ou de alguém que possa levá-las de carro ou moto, já que nenhuma delas dirige. Claro que elas são livres para pegar um auto-ricksaw e ir até o mercado ou qualquer outro lugar, mas não são todas que o fazem. Passeios? São raros. Afinal, pra que gastar dinheiro à toa? Nunca vi um povo gostar tanto de guardar dinheiro como o indiano. É impressionante. Não vão à lugar algum, exceto festas de casamento, não comem fora, porque segundo eles, a melhor comida é a de casa e, mesmo que saiam, não comem fora porque ainda assim, é melhor e mais econômico comer em casa. Isto, claro, nao generalizando, pois em Mumbai, os restaurantes estao sempre cheios de gente. Mas, o ritmo de vida, e outro.

Sentar em um café e ficar fazendo o estilo flaneur? Esqueça! Você não está em Paris. Para começar, não existem cafés nestes locais. Existem quiosques que vendem chai, mas nenhuma mulher é vista parada tomando chai na esquina. Mulheres sentadas em um restaurante comendo sozinhas? Você dificilmente verá. Aliás, elas não devem ser muito vistas. O contato com elas deve ser mínimo.
As curiosas casas tradicionais indianas
Na maioria das casas indianas do interior do norte da India, você terá duas salas de estar: Uma sala principal, por onde os donos da casa e outros familiares entram e, uma outra entrada, para visitas e convidados, para que eles não vejam as mulheres da casa.
Te lembrou as casas do Oriente Médio? Neste esquema mesmo. Alias, segundo muitos estudiosos, ate hoje estas casas seguem o estilo da zenana, que eram os harem, que surgiram aqui, na epoca do Imperio Persa, que era o local onde as mulheres viviam e ficavam afastadas de quase qualquer contato com o mundo exterior. (volto a falar desse assunto em outro post).
Voltando ao assunto do Oriente Médio…. lá, as mulheres podem andar sem véu, com a cabeça descoberta, em casa, na frente dos pais, tios e irmãos. Aqui, já não. Elas devem cobrir os cabelos caso uma pessoa mais velha entre em casa. Homem ou mulher, mas na frente de um homem mais velho, é regra. Há muitas famílias na Índia, ainda adeptas ao ghoonghat (uso do véu que cobre o rosto todo) e, eu conheço uma americana e uma brasileira que entraram para uma família dessas. E, detalhe: elas moram junto com estas famílias!! Por isso, mulher brasileira, veja bem onde você vai amarrar o seu burro! Para depois, não acabar como a brasileira do vídeo que eu gravei recentemente. (dê uma passada lá no canal do Youtube para assistir)
Nesta casa indiana, meus valores são constantemente confrontados. Principalmente quando mais mulheres visitam a casa e me encontram pela primeira vez. Lembre-se que os homens ficaram na sala, conversando e comendo, e, as mulheres, todas, se juntaram em um dos quartos para jogar conversa fora. Agora, nossos leitores devem estar curiosos para saber o que estas mulheres conversam.
Se você não sabe, os indianos adoram ostentar. É algo cultural e ao qual jamais me adaptarei. Leiam o artigo que escrevi recentemente sobre o tema. Portanto, na conversa, muitos valores são mencionados. Primeiro, elas olham uma a outra de cima abaixo e fazem comentários. Comigo isso também acontece, é claro. Então, comentam que acharam o sari ou o salwar kameez lindo e logo, claro, perguntam o preço. Minha sogra, imediatamente, faz questão de dizer que eu trouxe um sari para ela, de Mumbai e que custou XX. Além disso, comenta sobre os brincos e colar de ouro que me presenteou, que custaram XX.
Depois que o funk ostentação chega ao fim, eu começo a ser o assunto da roda. Até aí tudo bem, já que eu sou estrangeira. Mas aí, uma tia vira para mim e pergunta: – “Você sabe cozinhar?? O que você cozinha??”

Eu respondo que cozinho o de sempre: lentilha, arroz, feijão, vegetais…Afinal, não precisamos mencionar o frango e o carneiro nesta conversa. Fica só entre nós.
Depois, outra tia vira e pergunta: – “E aí? Quando vem o bebê? “
Meu humor, que já não estava bom, quase chegou ao fim com esta pergunta. Mas, por incrível que pareça, desta vez, foi a pergunta mais feita por toda a família e vizinhos. Afinal, como assim estar casada há 2 anos e ainda não ter um bebê?? Isso não é aceitável na sociedade indiana. Claro que eles foram perguntar ao meu marido também o porquê desta demora.
Aí, eu comecei a formular minha resposta, dizendo que adorava crianças (é verdade, gente!), que queria ter filhos (não no plural), mas que a vida em Mumbai era cara e que muitas coisas tinham que ser levadas em consideração. E, completei dizendo que eu trabalhava e que não ia largar o trabalho para cuidar do filho. E que para mim, filho não era tudo nesse mundo. (choquei!)
A tia, então, vira e tem a brilhante idéia; – “Uê! Para isso tem sua sogra! Tem o filho e deixa aqui, no interior, com ela!Ela cria pra você! Aí, você e o marido fazem dinheiro em Mumbai!” .
Minha sogra amou a ideia, já que ela própria já tinha sugerido isto. Claro que eu não podia ser mal educada e dizer; – “No, thanks. Mas não quero que meus filhos cresçam sem limites como as crianças aqui. ”
Por isso, apenas me contive e disse: – “Sim….vou discutir isso com meu esposo. E, assim que eu souber da gravidez, você será a primeira a saber, tia!” – com o sorriso amarelo e falso no rosto. Mas, certeiro, pois foi essa a resposta que a tia esperava. E assim, todos saíram felizes da vida. Menos a que vos escreve.
Nestas horas, sentia uma profunda saudade de Mumbai, que mesmo suja, desorganizada e caótica, ainda me dá a liberdade de ser quem eu sou e de não ter a família sufocando nossa existência com perguntas sem nexo baseadas em sua experiência de vida, que muito difere da minha, por exemplo. Para mim, a vida é feita de escolhas e, casar-se e ter filhos é uma delas. Mas, para elas, como já comentei várias vezes aqui no blog, é um dever perante a sociedade.
Meu conservadorismo era ultrapassado e motivo de deboche no Brasil. Mas quando me deparo com o verdadeiro conservadorismo indiano, vejo o quanto sou moderna.
Espero que tenham gostado da leitura. Um abraço e até a próxima!
por Banjara
Olá sempre vejo seus vídeos. Seria possível falar sobre os indianos muçulmanos? Não encontro nenhum artigo relacionado à eles, somente sobre indianos hindus…Obrigada
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Oi Ju!Adoro seus postes!Bjs
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Amei seu blog e dia visão do contraste de vida da capital para o interior.
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Oi linda muito legal o seu blog!!Queria que você falasse dos cabelos das indianas e o óleo de Amla que elas mais usam,porque aqui no Brasil se fala desse óleo, muitos fabricantes o vendem, mas afinal queria saber qual o verdadeiro óleo de Amla que as indianas usam!Pensa com carinho! Beijos!
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Oi, Rayanne!!Obrigada pela visita! Serio que o oleo Amla eh famoso por ai? Nao sabia.Olha, vou pesquisar mais sobre o oleo, porque sou super desapegada a estas coisas de beleza.Mas, te recomendo o blog Cafe com Chai, onde a autora sempre fala sobre metodos de embelezamento vindos da India. Aqui tem um link que deve te interessar!
http://cafecomchai.blogspot.in/2012/02/dicas-de-beleza.html
Um abraco!!
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Adorei! Excelente post! 😘
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Obrigada, Natalia!!Um abraco!!
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Nossa, a cada postagem sua uma descoberta! Amei
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Obrigada, querida!!
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Se não tivesse a experiência de morar fora do Brasil, eu diria que um quadro assim, era impossível. Seria utopia pensar isso. Mas, sei que isso jamais será assim.
Acredito que se fosse eu casado com uma indiana, o choque seria maior, não apenas para mim, mas para a própria e sua família. Mesmo que morasse na Índia (e porque não?), eu iria fazer com que ela se enquadrasse mais ao meu modo (liberal) do que ao modo regido pelas castas, por exemplo.
Nesse ponto, penso que se uma mulher indiana aceitasse casar com um estrangeiro (e imagino que muitas queiram), tanto ela como a própria família deveriam saber que o modo de vida iriam mudar radicalmente, mesmo que continuasse a viver na Índia.
Estou errado?
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Oi, W. Anderson!!!Obrigada pelo comentario! Bem…eu acho que a mulher indiana que se casa com um estrangeiro, se enquadra no primeiro perfil que eu descrevi no texto, ja que as mocas do interior, nao tem contato com o mundo exterior, nem com o sexo oposto. Que dira um estrangeiro! Portanto, quando uma indiana se casa com um estrangeiro, ela, certamente o conheceu aqui na India, em algo relacionado a trabalho ou no exterior. Vemos muito mais indianos casados com estrangeiras do que indianas casadas com estrangeiros. Um abraco!
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Adorei seu texto.
Tenho bastante curiosidades sobre o comportamento do lado de la.
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Obrigada, Kyssia.
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