Para quem estava morando na conservadora e machista UP (Uttar Pradesh), Mumbai é quase como um paraíso: bem mais seguro, as mulheres andam sozinhas por aí, são independentes, dirigem, usam jeans apertado, blusa de alcinha, short. Praticamente me sinto no Rio de Janeiro. A única diferença é que as pessoas vão de roupa para a praia.
Mas, apesar de tudo isso que eu citei aí em cima, quando o assunto é estrangeira, ainda mais ocidental, não adianta: Elas são vistas, ainda, como fáceis e promíscuas. Claro que todos nós sabemos que o número de prostitutas russas e ucranianas aqui na Índia é imenso, mais um motivo para acharem que toda ocidental é como elas.
Mas, porque estou contando isso? Porque enfrentei problemas na hora de alugar o apartamento aqui. Graças a Deus, meu esposo estava à frente de tudo, mas antes de mais nada, insistiram para apresentarmos nossa certidão de matrimônio, a qual só foi carimbada pelo governo local e ainda falta mais outro carimbo de outro setor do governo. Mas, mesmo sim, conseguimos falar com o local e nos escanearam o documento, provando que não estamos morando juntos apenas, mas que somos, legalmente, marido e mulher. Nisso, então, conclui-se que, se fôssemos apenas casados, juntados ou seja lá o nome que for, mas não casados no papel, eu não poderia morar naquele condomínio, não é mesmo? Não sei dizer em outros condomínios e nem posso generalizar, mas a impressão que me deu, foi esta.
Depois, o dono do apartamento quis me conhecer. Não sei se esse procedimento é normal no Brasil, pois nunca aluguei nenhum imóvel no nosso país, mas onde eu morava,no Japão, é muito raro você conhecer o dono do imóvel. A não ser no interior ou em vilarejos. Mas, o dono, que já tinha conversado e encontrado com o meu esposo, insistiu em me conhecer. Foi muito simpático e gentil, mas fez uma série de perguntas. Perguntou o que eu fazia aqui, qual era a minha formação, o que eu fazia antes de vir à Índia, etc. Mas, parece que no final, ficou satisfeito com o que viu e até me mandou entrar na casa dele, que, por acaso, fica na frente do meu apartamento. Lá, a esposa dele nos recepcionou, me mostrou o apartamento, belíssimo, limpíssimo e de extremo bom gosto e disse que a sua passadeira estava à minha disposição sempre que eu quisesse. Agradeci muito, mas não precisa. Posso muito bem passar as roupas sozinha.
3ª etapa – Depois de conhecer e ser aceita pelo dono do apartamento, chegou a hora de ter uma entrevista com a tal da society. Vou explicar aqui, brevemente, o que é a tal da society. A society é um grupo de voluntários que cuidam da parte burocrática e administrativa do condomínio. E, como todos têm seus próprios empregos, eles se reúnem 2 vezes por mês para ouvir as reclamações dos condôminos, discutir diversos assuntos e, receber a visita dos futuros candidatos a moradores do condomínio. No último domingo, foi a nossa vez. Além de nós, mais três outras famílias indianas.
A entrevista – Primeiro, o síndico ou sei lá o que ele é, pergunta se eu entendo inglês. Aí, começa a conversar comigo em inglês. Perguntas básicas que todos adoram fazer: No que você trabalha? Que tipo de trabalho faz a sua empresa? Qual o seu cargo na empresa? Como você e seu esposo se conheceram? Quanto tempo você pretende ficar em Mumbai? etc, etc.
Acho que nem mesmo para o meu atual emprego me perguntaram tantas coisas pessoais na entrevista.
Depois de se certificarem de que nós preenchíamos todos os requisitos, nos deram o tão aguardado SIM!! E aí, foi só correr para o abraço.
Mas, porque estou escrevendo tudo isso? Bem, porque deu para sentir que estavam todos receosos com o fato de eu ser a 1ª estrangeira morando naquele lugar. Eu não sei bem dizer o porquê, mas eu sempre acabo sendo a 1ª louca a pisar em algum lugar dantes nunca desbravado.
Não é à toa que esse blog se chama Tabibitosoul!!
Mas, voltando ao assunto, só para vocês terem uma idéia da diferença entre uma indiana e uma estrangeira (ocidental) morarem sozinhas, uma moça da mesma empresa que eu, recém chegada de Calcutá, indiana, usando o mesmo agente que eu, já estava com as chaves do apartamento na mão!Sendo que entramos na empresa no mesmo dia. Meu esposo ficou revoltado, mas, fazer o quê? Não é a primeira vez que fazem pouco caso da minha nacionalidade e do meu sexo. Não adianta se estressar. O jeito é fazer a diferença no dia-a-dia e mostrar que para ser piriguete, não precisa ter uma nacionalidade específica.
Tenho outras colegas de trabalho que depois de 1, 2 anos dividindo um flat com outra estrangeira da mesma empresa, acabaram se mudando para um apartamento e morando sozinhas. Não sei dizer se elas enfrentaram o mesmo problema, visto que é uma japonesa e a outra, coreana e, não sei dizer se elas têm a mesma fama das ocidentais por aqui. O dia que eu tiver esta informação, eu compartilho com vocês.
Mas, apesar de tudo, entendo a preocupação da tal da society em alguns pontos. No final, eles mesmos se desculparam por perguntarem tanta coisa, mas me explicaram que precisam fazer isso, para ter certeza de que estão colocando uma pessoa de boa índole lá e que não vai causar nenhum incômodo para os vizinhos e nem para o dono do apartamento.
Escrevi este post só para mostrar que apesar de toda a modernidade, no fundo, no fundo, o conservadorismo ainda está encrustado na sociedade de Mumbai.
Mas, o importante é que fomos aceitos e, nosso filme bollywoodiano começa a tomar um novo rumo.